quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Diálogo inter religioso

Me perguntaram uma vez se eu era a favor do "diálogo inter religioso", e, antes de responder, propus que pensássemos o que era um "DIR" (Diálogo Inter Religioso, para quem não sacou):

Se diálogo inter religioso é um encontro esporádico de um pastor, um padre e um pai de santo numa avenida ou numa praça perto do fim do ano ou no dia das crianças, sou contra. Não imagino que o encontro de líderes num dia específico para representar (e essa palavra já diz qual a predisposição das personagens nessa peça) a união pacífica de unidades de certo segmento das três religiões exemplificadas, seja um DIR. Digamos que diálogo seja a troca de pelo menos duas palavras com som e significação que exprimem pensamentos por nós produzidos que caminham para uma interação social. No caso, essa interação social é baseada em afirmações de Fé, mas delas falo em breve. Sendo assim, um encontro esporádico pode até ser um "fato social" ou uma ocasião (obrigação) social, mas interação não é, essa palavra implica em constantes trocas, não esporádicas aproximações num mesmo palco.

Se diálogo inter religioso for a tentativa de "harmonização" e consonância de idéias e afirmações de Fé (ainda não entrarei nesse assunto) de diferentes credos, num tipo de ecumenismo que propõe a suavização das diferenças e uma aceitação de equilíbrio dos objetivos e significados das diversas revelações dos segmentos, que provavelmente conseguem essa proeza através de uma "regra de três" espiritual, também sou contra. Essa proposta tenta colocar as mensagens das religiões como iguais, quer dizer, propõe que os diferentes logos sejam um. Logicamente (com toda a ironia possível dessa palavra), se temos apenas um logos, como pretendemos fazer um "diálogo"? Não é possível haver troca de no mínimo dois discursos se temos em nossas bocas e em nossas mãos apenas um. Para que haja transferências de logos, precisamos das diferenças e dos desequilíbrios (e também da insegurança do discurso, mas é assunto para um próximo texto).

Agora, se tratarmos do DIR como as constantes conversas dos diferentes credos, sou a favor. Aliás, não dos diferentes credos, mas dos diferentes crédulos! E dos incrédulos também, porque não? Afirmar isso implica em entender que o DIR está nas mãos não das religiões, mas dos religiosos. Os indivíduos que professam (afirmam com palavras) uma determinada Fé, são os diplomatas de suas comunidades no ambiente reservado à reunião geral das religiões unidas: a vida. O DIR se dá no dia-a-dia de cada fiel. Os intercâmbios das crenças não vêm apenas nas conversas e nas idéias proferidas, mas, além disso, se transmitem através das afirmações de Fé. São elas, como já dissemos, que basearão a interação social das religiões e, em matéria de Fé, nada se discute, mas tudo se vive. Afirmações de Fé são os saltos qualitativos que damos no escuro das idéias e no vazio da Razão; quando ela falta, a Fé supre. São afirmações indiscutíveis (o que não impede de serem muito questionáveis, como o são). Esse tipo de logos não se dá na equalização das palavras ou no equilíbrio das doutrinas, mas na prática da vida e nas experiências inexplicáveis da intimidade que se dá, inclusive, no ambiente público. São as constantes conversas que de fato fazem mover a vida.

Quanto ao DIR era isso que tinha para expor. Não cabe aqui a resposta "sim ou não" da pergunta inicial do texto, mas cabe a reflexão e a desconfusão que deve ser feita quanto ao que se entende por DIR. Para terminar, respondi ao que me perguntou algo que aprendi por esses dias com o Frei Carlos Mesters: "O que é uma grande conversa senão uma 'conversão'?" - convivamos mais...

Gratis i Kristus

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Teologia do Pé

Debaixo de um sol ardendo, acima de um chão rachado, na falta de tênis e na sobra de chinela de couro, vai o roceiro e seus pés à caminho da falta de plantação que ele chama de "campo". Num clima desses, numa casa de barro daquelas e com duas cabritas magras no cercado, Deus só pode ser o Santo Espírito que sopra a chance de chuva. Bom mandamento é o de colher aquilo que plantar e não derramar sangue inocente, porque aquele chão já é rude demais com a vida para que ela sofra também nas mãos dos donos dos pés. Igreja boa é aquela que se ajunta para distribuir alimento e que benze no velório das gentes velhas e nos casórios da gente nova. Deus é bom, mas vez por outra castiga com um mormaço, que também pode ser que não seja tão ruim assim porque alembra do valor das Graças. Depois de muito que se viver, descobre que a vida dada pelo Divino é boa e ruim, e que por assim estarmos aqui, façamos de tudo para que a vida viva e, mesmo com a desgraça e o sofrimento, vamos em tudo dar graças.

Já debaixo da chuva, dentro de um apartamento no centro de uma cidade, uma criança olha pela janela as gotas escorrendo o vidro. Umas tem forma de cavalo, outras de casa, umas de monstros e outras com cara de gota, mesmo. Provavelmente foi assim que Deus criou o mundo; foi espirrando água para tudo quanto é lado e as gotas se acomodando onde dava dando formas às coisas. Mas foi em sete dias não foi? Hmmm... Pois bem, devia ter muita água... Talvez isso tenha a ver com o dilúvio! Apoiada com os pés em cima do sofá a criança vibrava com suas descobertas; deve ser por isso que por aqui vez por outra chove, porque Deus ainda cria as coisas. Ele ainda faz a planta crescer, mata minha sede e limpa um pouco essas nuvens de fumaça que os fumantes soltam junto com os caminhões e ônibus. O que é um problema, porque por causa dos caminhões e dos ônibus, eu não posso brincar de bicicleta hoje! Está chovendo... droga. Nossa! E é por causa dessa mesma poluição dos fumantes, dos caminhões e dos ônibus que as pessoas perdem casas nas enchentes! Deus vem criar as plantinhas e me dar água e por causa da sujeira acaba que a água se exagera e gente sofre. Por isso meu pai deve reclamar tanto dos caminhões na estrada... Deus, perdoe os fumantes, os ônibus e os caminhoneiros!


Pena que os pés não falam! Pena que os pés não expressem suas experiências! Pensamentos nós tentamos exprimir e compartilhar, mas a caminhada é impossível! Mesmo que indiquemos o caminho e passemos pelos mesmos percursos, a caminhada é diferente, os pés são outros e eles não falam. Os pés experimentam o chão, não voam e nem podem fugir da vida. Mesmo para aqueles que não os tem como parte constituinte de sua biologia, alguma parte de si faz-se de pé, põe-se como guia da vida, o leva para as experiências. Os pés são indiscutíveis e indiscutidores. Os pés andam, não param e tem que ser pacientes. Se correm perdem o caminho, e logo todo o corpo pede seu regresso, exige seu descanso. Pés nos mantém em Deus, não em um lugar, mas não nos roubam da vida. Talvez as razões nos enganem, talvez o coração nos passe a perna (que ironia), talvez Descartes nos faça divagar e talvez Pascal desconheça as razões. Os pés é que percorrem o Caminho...

Seja no sol e com a realidade que o pé sente, não a que ele conhece, mas a que ele vive, ou na chuva dentro de um apartamento em cima do sofá, o pé dá seus "saltos de Fé". São os pés saltam no solo e sentem o impacto da vida que se impõe e produz nossos sentimentos de Deus. São os pés que reagem ao Caminho. São os pés que vacilam também. São os pés sustentam os joelhos que se dobram. São os pés que levam os corpos às romarias. Quem é a estúpida língua que falará mal do pé? Quem é a maldita serpente que tentará e será pelo pé pisada em castigo? Quem será o rude insensível que recriminará a vida dos indivíduos e seus pés em nome da boca? Não! A boca fala do que o coração está cheio porque ele é insuficiente para suportar tudo o que suporta o pé, o coração é apenas um tradutor do verdadeiro órgão que nos põem em contato com a vida. Sejamos parceiros de caminhada. Vamos dar valor ao pé. Sejamos pacientes e esperemos nossos irmãos. Nos preocupemos mais com o Caminho, com a Caminhada, do que com as palavras... O Deus é o mesmo, mas os pés são diferentes...


Gênesis 33: 13 "Jacó, porém, lhe disse: "Meu senhor sabe que as crianças são frágeis e que estão sob os meus cuidados ovelhas e vacas que amamentam suas crias. Se forçá-las demais na caminhada, um só dia que seja, todo o rebanho morrerá."


Gratis i Kristus

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

De minha leitura para a tua - Lendo Salmo 103: 8 - 10

Em um trecho de Hamlet, Sheakespear encena com palavras o Imediato do Rei dizendo ao príncipe Hamlet que cuidará de uns atores convidados pelo Palácio como "eles merecem". Hamlet, imediatamente explode de raiva encarando o Imediato e dizendo que se tratarmos a todos como todos merecem, quem escapará do chicote? E termina sua fala afirmando que quanto menos alguém for "merecedor", maior e mais digna esta pessoa é, e maior será a generosidade daquele que a acolher. Lembrando disso, lembremos de nossa Fé:

Salmo 103: 8 - 10

"O SENHOR é compassivo e misericordioso,
mui paciente e cheio de amor.
Não acusa sem cessar
nem fica ressentido para sempre;
não nos trata conforme os nossos pecados
nem nos retribui conforme as nossas iniqüidades."

Sempre rachei em minha cabeça nosso Deus em dois: um Antigo e um Novo. Esqueci-me de que somente as Sagradas Escrituras se organizam assim. Sempre dividi em minha cabeça a justiça de Deus em duas: àqueles que são bons e àqueles que são maus. Esqueci-me de que assim fazem os homens, e não Deus. Sempre rachei em minha cabeça o perdão Divino em dois: aos pecados confessados e aos guardados. Esqueci-me de que sou eu quem me destruo deste jeito. O único Deus é um; o "um" Deus é único.

O Senhor compassivo e misericordioso, mui paciente e cheio de amor, independe de mim para me amar. Graças a Deus não sou tratado como mereço, graças a Deus minha culpa é levada de mim para a eterna distância do Oriente e do Ocidente. Graças a Deus não necessito caminhar com o fardo da acusação, e muito menos com medo de um Deus eternamente entristecido com minhas falhas. Assim como não deveria caber a mim medir minha culpabilidade, ou até a culpa do outro. Graças a Deus culpa não é mensurável, mas experimentada. Graças a Deus as experiências se transformam, enquanto que as coisas medidas apenas aumentam ou diminuem de tamanho. Graças a Deus não sou retribuído na balança, mas pela Nova Vida.

Se não caberia a Deus, o único, tratar os homens de acordo com sua culpa, seus pecados, suas iniquidades, que dirá ao homem, qualquer um ou um qualquer! Discursos, qualquer que seja o discurso, são medidos, pesados, rotuláveis e limitados, mas a Vida, somente é vivida e experimentada. De pecados e iniquidades, enganos e equívocos, todos sofremos. Pela Graça, todos somos alcançados. O Senhor compassivo e misericordioso, mui paciente e cheio de amor, muito me espera, carrega esperanças e é Fiel e Justo. Graças a Deus o que digo é relevado, o que faço é deixado de lado e não sou tratado pelos meus pecados, mas por sua paciência...

Se fôssemos tratados como merecemos, quem escaparia do chicote? Tratemo-nos como imerecíveis, como agraciados. Que a Graça de Deus, o nosso Senhor, esteja com todos nós!


Gratis i Kristus

domingo, 4 de setembro de 2011

De minha leitura para a tua - Lendo 2 Crônicas 20: 20

2 Crônicas 20: 20

"...Tenham fé no SENHOR, o seu Deus, e vocês serão sustentados..."

Por muitos anos vi pastores se submeterem à necessidade de comprovar e explicar sua Fé em Deus. Necessidade imposta não por Deus, o "objeto" de sua Fé, mas pela "Ciência", um ser que não existe, mas é objeto de seus medos. Quiseram lutar contra carne e contra sangue, procuraram nas armas do mundo as soluções para suas crises de Fé, se submeteram a um deus que não era o que professavam. Como disse Kierkegaard: "Em nosso tempo, a importância das ciências faz os pastores de bobos...". E o problema aqui não é a disputa que inventaram entre Ciência e Religião, mas a confusão que fizeram entre Fé e Certezas...


Por alguma razão, deixamos que nossos olhos fossem iludidos e passamos a crer que Fé é ter certeza daquilo que creio. Amarga ilusão! Fé não se desespera por certezas, mas consola nas dúvidas. É quando saímos do conforto de nossa terra, caímos na tormenta das tempestades no mar e, quando estamos prestes a sermos engolidos, olhamos para o alvo, olhos fixos Nele, e andamos sobre as águas. É na completa escuridão, confiarmos na Luz. É no meio do Vale da Sombra da Morte, não temer mal algum! Porque temos certezas? Não! Porque no meio das dúvidas eu confio...

Sustento não é necessário quando se vive na bonança, mas é requerido quando perdemos tudo. Ser sustentado não é para aqueles firmes e fortes que conseguem andar com as próprias pernas, mas para aqueles que fraquejando mal saem do chão, são paralíticos, cegos, mendigos e leprosos. São os órfãos e as viúvas! Precisam ser sustentados aqueles que não podem conduzir a si mesmos.

Sem Fé é impossível viver a vida. Sem Fé é impossível agradar a Deus. Sem Fé é impossível viver a Vida. Sem Fé é impossível implantar o Reino de Deus. Certezas de Fé não são aquelas medidas comprovadas, mas loucuras para gregos e judeus que são pregadas. Se vivemos a vida sabemos que nada é certo debaixo do Sol. Se vivemos a vida sabemos que o amanhã depende da misericórdia de Deus. Se vivemos a Vida, sabemos que no meio de todas as dúvidas, incertezas, complicações e dificuldades, podemos confiar num Deus que é Eterno e Justo, Amoroso Salvador que nos sustenta...

Essa afirmação de Fé não é por uma certeza, é somente pela Fé. Em nada tenho que provar, muito menos comprovar, apenas experimentar tamanha Graça! Nos dias em que dizemos "matamos Deus, o vimos morto", surge a possibilidade de crermos, em nossa Fé, que em três dias O veremos ressurreto...



Gratis i Kristus

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

De dia de semana sou cego e aos domingos sou surdo

Durante a semana sou cego e aos domingos sou surdo. Tudo bem que vez por outra sou cego e surdo. Quando cego, preciso começar a ver e, quando surdo, ouvir algo. Dizem que o pior cego é aquele que não quer ver, e acabei de imaginar que também o pior surdo é aquele que não quer ouvir... Se é que existe essa possibilidade!

Quando estou só e a mercê das aves de rapina, caçadoras fantásticas de animais distraídos, sou completamente cego. Por não ver bem aquilo que está ao meu redor, fico feliz e contente com minhas sombras. Mesmo quando as pálpebras se abrem, não estou disposto a permitir que a luz faça parte do meu dia. Sou um indivíduo astuto e ao mesmo tempo ingênuo: enquanto maliciosamente não quero enxergar, sou cercado na surdina pelas aves assassinas. Dependo de um Salvador que me faça voltar a ver! Perdi a crença na luz, perdi a crença na cura perdi a esperança de Salvação. A escuridão não se tornou tão ruim assim.

Já aos fins de semana, abro os olhos e passo a ver. Encontrarei aos domingos outros ex-cegos que enxergam aquilo que quero enxergar, logo não corro o risco de perder a segurança que tenho ao não ver as aves de rapina. Porém, nesse instante, fico imediatamente surdo. Não ouço nada que não seja a mim mesmo. Lobos uivam e se aproximam, mas me contento em não saber deles e ficar seguro dentro de quatro paredes. Somos todos, eu mais os ex-cegos, surdos. Falamos uns com os outros, fazemos uma grande algazarra que provavelmente deve ser um barulho extremamente incômodo. Mas sem crise, não ouvimos nada: nem nossa gritaria e nem os lobos. A surdez é boa e muito conveniente quando estamos em grupo, já que fazemos zona sem nos irritar. Preciso de uma Voz que me faça ouvir. Tenho medo e me protejo com os outros de ouvir Verdades...

Durante a semana sou um religioso: um indivíduo que ouve, está disposto a saber das Verdades, mas não as vê. Quero muito mudar a mente, mas perdi as esperanças de encontrar alguém que viva uma Vida que faça sentido. Só sou cego porque não posso ser surdo durante toda a semana. Já nos fins de semana, sou parte de uma religião. Enxergo o mundo, vejo meus amigos e até sei onde estão as aves de rapina, mas dependo da grande massa para me proteger dos lobos. Me habituei a não ouvir nada que não fosse o que já ouvi, e dentro da igreja vejo sempre as mesmas coisas e a vida mórbida e estática que sempre vi(vi).

De dia de semana sou religioso e de domingo sou da religião. De dia de semana até sou independente, mas não há Vida que apareça e me faça ter esperança de novo em ver... Por isso, prefiro ser posse de alguém nos fins de semana para garantir que enxergue qualquer coisa pelo menos um pouco sem a preocupação de que tenha que ouvir...